@giovanaeribeiro
TEMAS MÉDICOS
A diferença entre amor saudável e
não saudável
On 14 Jan, 2025
"Ele me agredia, fisicamente e verbalmente, principalmente quando usava cocaína. Ele se justificava falando que a culpa era minha. Eu tinha medo dele. Depois de alguns meses juntos, ele não me deixava mais sair com minhas amigas nem com a minha família. Por medo de ficar sem ele, eu aceitava suas imposições, abria mão de minhas próprias vontades e de pessoas que eram importantes na minha vida. Eu sabia que o relacionamento me fazia mais mal do que bem, mas só saber não era suficiente para me tirar daquela situação. Eu me sentia abandonada, triste e com muita raiva, mas, mesmo assim, eu não conseguia deixá-lo. Eu achava que ficaria pior sem ele. No último ano de namoro, tentei romper com ele mais de sete vezes, mas eu não conseguia. Depois de alguns dias afastada dele, eu sentia como se não fosse sobreviver, eu sentia uma dor física mesmo. E aí, eu e me sentia obrigada a voltar para o relacionamento.”
V, 36 anos
"No começo, eu não percebi nenhum tipo de comportamento desconfortável, na verdade, os dois primeiros anos foram ótimos. Ela era divertida. Mas depois de um tempo ela começou a mudar. Não queria que eu saísse de casa sem ela, não queria que eu fosse na academia nem que eu trocasse mensagem com meus amigos e amigas. Ela ficava chateada quando eu não realizava suas vontades, e aí ela gritava comigo, dizia que eu era um lixo e que não seria nada da vida. Ela me ofendia muito. Depois de algum tempo ela proibiu que eu falasse com a minha família. Eu não podia fazer nada, era tudo do jeito dela. Pegava todo o meu dinheiro, dizia que iria pagar minhas contas mas não pagava, gastava tudo o que eu tinha e ainda me deixava endividada. Qualquer coisa que eu fazia e ela não gostava era motivo para ela gritar, me bloquear e passar dias sem falar comigo. Eu ficava triste, ficava acabada na verdade. Mas eu não queria terminar o namoro porque achava que ela mudaria com o tempo. Fiquei deprimida e perdi muito peso enquanto estávamos juntas. E assim, acabei passando oito anos com ela.”
A, 39 anos
“Depois da separação, pensei várias vezes em me matar. Não conseguia me ver vivendo sem a minha ex. Pensava em me jogar do alto de um prédio ou me jogar na linha do metrô. O casamento acabou contra a minha vontade e eu não conseguia e nem queria aceitar isso. Comecei a beber muito e não tinha mais auto estima nenhuma. Nos anos seguintes do divórcio, eu vivi outros cinco relacionamentos problemáticos. Fui abusado emocionalmente e financeiramente por outras cinco mulheres. Eu estava muito vulnerável na época. Só fui melhorar quando comecei a me tratar.”
R, 47 anos
O amor permeia a vida de todos nós. Construímos amizades, relacionamentos amorosos, nos casamos, fazemos bebês, saímos de uma família e entramos em uma nova família. Amor é constitutivo do ser humano, mas isso não significa que sabemos como amar. Nós não sabemos amar. Não sabemos exatamente o que é o amor, não nascemos sabendo como amar e tampouco somos ensinados ao longo da vida de como o fazer. Temos a expectativa de que iremos “descobrir” como amar. Mas, a dolorosa verdade é que, muitas vezes nós desrespeitamos e machucamos as pessoas que amamos. Desde coisas sutis, como culpar uma amiga por algum motivo, ou dar uma olhadinha nas mensagens no celular do seu companheiro… Ou até envergonhar um filho por não ter tirado notas boas na escola e não saber como acolhê-lo da melhor forma. Todos seres humanos, 100% de nós em algum momento da vida, iremos praticar atos não saudáveis com aqueles que amamos. E também, 100% de nós vamos receber atitudes e gestos não saudáveis daqueles que amamos. Isso faz parte da vida. Afinal ninguém sabe exatamente como fazer isso… Amar. Estamos e devemos estar em constante aprendizagem nessa longa caminhada que é o amor e os relacionamentos.
O problema é que em casos extremos, o amor passa a ser motivo de um sofrimento extremo, o que pode se transformar em uma verdadeira doença. Relacionamentos abusivos e violentos são uma realidade que 1 a cada 3 mulheres e 1 a cada 4 homens vivem ao longo da vida ao redor do mundo. E se você não passar por um relacionamento assim, provavelmente alguém que você ama irá. A pergunta é: quando o amor se torna uma doença? Qual é a diferença entre um amor saudável e um amor não saudável? É importante lembrar que relacionamentos doentios não começam sendo doentios. No início, são intensos, cheios de afeto e de emoção, assim como os relacionamentos saudáveis. Vontade de passar o tempo todo junto, deixar o mundo de lado para passar mais tempo com a pessoa, sensações físicas (como taquicardia, frio na barriga) ao pensar em estar perto dela… Tudo isso faz parte de estágios iniciais das relações. É nesse momento que ocorre a atração física e emocional, a famosa paixão. Esses sentimentos e sensações perduram os primeiros meses ou até os primeiros anos de uma relação amorosa saudável. Após essa fase, relacionamentos saudáveis evoluem para a fase de desilusão, onde os dois passam (finalmente) a perceber que o outro não é perfeito, mas sim humano, e que, portanto, possui defeitos e não tem poderes para resolver todos os seus problemas. Com a percepção de como o outro realmente é, envolvendo todas suas qualidades e seus defeitos, surge uma dúvida se ainda há ou não desejo de manter o relacionamento. Para relações saudáveis, a partir daí, existem dois diferentes caminhos a serem traçados: amar e admirar o outro apesar de seus defeitos (o que evolui para um amor saudável), ou terminar esse relacionamento e recomeçar o ciclo com outra pessoa. Quando o casal decide ficar junto o relacionamento tende a amadurecer e há um apaziguamento do desejo que antes era desesperado. Quando a relação se estabelece de maneira saudável, criam-se sentimentos de confiança, cumplicidade, interesses comuns, projetos partilhados e respeito pelas necessidades e pela individualidade do outro.

Quando estamos lidando com um amor que é doentio, o relacionamento não evolui ou amadurece. Nessas relações, há uma estagnação na fase de paixão, o que passa a ser considerado patológico e imaturo. Quando não se consegue evoluir, a relação passa a ser esmagadora e sufocante. O relacionamento adulto é complacente com a paixão nos estágios iniciais, mas, passado esse período, é necessário evoluir. Os sinais desse tipo de relação podem se apresentar de várias formas: talvez um namorado ou namorada que fala “eu te amo” um pouco cedo demais, ou que talvez mande mensagens e ligue desesperadamente ou que se apresente bastante impaciente quando você não o responde ou não o atende, mesmo ele sabendo que você estaria ocupada(o) naquele dia.
Assim, podemos perceber que não é o início de uma relação que realmente importa, e sim como ela evolui. É importante se questionar: você se sente confortável com o ritmo que surgiu a intimidade entre vocês? Você sente que você tem espaço o suficiente para conseguir respirar? Você fala sobre as suas necessidades? Os seus desejos são respeitados? Você se sente respeitada(o)?
Isolamento é um dos mais frequentes sinais de amor não saudável. O isolamento se instala quando sua namorada ou namorado começa a te afastar de seus amigos e de sua família, ou seja, de toda a sua rede de apoio. Ele(a) pode falar coisas como “porque você sai com eles? Eles são tão chatos, eu não gosto deles”, ou “eles querem que a gente termine. Eles são totalmente contra nós”. Amor saudável inclui independência. Duas pessoas que amam passar tempo juntos, mas que continuam mantendo suas atividades e suas outras relações que eram importantes antes. A independência é a chave para relações saudáveis, e ela se mantém quando você continua passando tempo com seus amigos, sua família e com seus hobbies, além de encorajar o seu parceiro(a) a fazer o mesmo.
Para o psicanalista Fromm (1956), existem dois tipos de amor: o “verdadeiro amor” e o “falso amor”. O “verdadeiro amor” ou “amor maduro” é aquele que prevalece o cuidado, responsabilidade, respeito, conhecimento e que permite preservar a integridade e individualidade. O “falso amor” é baseado em submissão, passividade, se caracterizando pela união simbiótica em que a pessoa foge do sentimento de solidão, e por isso se mantém na relação. Ou seja, se manter em uma relação por medo de solidão, não é amar de forma saudável. Para Fromm, essa submissão sugere dependência e falta de integridade. Outros estudiosos do tema identificaram que existem características semelhantes entre o comportamento das pessoas com amor patológico e dos dependentes químicos. Sintomas de abstinência (insônia, taquicardia, tensão muscular, agitação) podem ocorrer quando o parceiro(a) está distante ou quando há uma ameaça de se romper a relação. Tentativas de controlar ou vigiar as atitudes do companheiro(a) de forma obsessiva também são muito relatadas (por exemplo um homem que passa dias sem conseguir trabalhar porque sente uma necessidade desesperada de olhar o celular a cada poucos minutos, para saber se sua namorada ficou on-line).
Ciúme extremo também sugere possessividade. Em relações não saudáveis, ele surge em forma de desconfiança constante e acusações frequentes. Ciúme faz parte das relações humanas. Mas o ciúme extremo é diferente — há um tom ameaçador, desesperado e raivoso por parte de quem o sente. O amor não deve ser assim. Por isso que esses relacionamentos costumam ser muito voláteis, é comum haverem muitos términos e voltas entre o casal. Os momentos bons são muito bons, mas os ruins, também são muito ruins, podendo criar situações perigosas nos piores casos. As palavras podem ser usadas como armas. Conversas que antes eram divertidas e despreocupadas passam a serem maldosas, difíceis e desconfortáveis. Talvez o seu parceiro tire sarro sobre você de um jeito que te machuque. Ou talvez ele(a) conte piadas para rir às suas custas. Quando você finalmente tenta dizer como se sente, você é silenciada(o) ou acusada(o) de estar exagerando. Um parceiro ou parceira deveria te dar apoio. As palavras dele(a) deveriam te construir e te ajudar a crescer, e não te desmontar e te angustiar. Essa pessoa deveria manter seus segredos e ser leal a você. Um amor bom deve fazer você se sentir mais confortável e confiante, e não menos.
É extremamente importante auxílio profissional para que as pessoas consigam sair de situações assim. Quando há tratamento, o prognóstico de melhora é muito bom. Se você se identifica, busque ajuda. Por muito tempo, nós tratamos os relacionamentos como um tema ameno e "leve". Porém, a habilidade de se relacionar é uma das mais importantes e difíceis de se construir na vida. Não é apenas sobre relacionamentos românticos e não é só sobre violência. Entender os sinais de amores não saudáveis pode te ajudar a revisar todos os relacionamentos da sua vida. E nós podemos fazer a nossa parte todos os dias para construirmos relacionamentos melhores — comunicação aberta, respeito mútuo, gentileza, paciência com o outro… Nós podemos praticar essas coisas todos os dias. E enquanto praticamos, tenho certeza que nós nos transformaremos em pessoas melhores. Embora o amor seja um instinto do ser humano, a nossa habilidade de amar melhor é uma habilidade que todos nós podemos construir e melhorar ao longo de toda a nossa vida.
Por Giovana E. Ribeiro