@giovanaeribeiro
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CANNABIS E SAÚDE
Cannabis medicinal no tratamento de sintomas ansiosos
On 12 Jun, 2024
Os transtornos de ansiedade e depressão têm aumentado expressivamente em nossa população e representam um importante impacto para a saúde mundial. O Brasil é líder no mundo em prevalência de transtornos de ansiedade, de acordo com uma pesquisa da OMS divulgada em 2017. Mais de 26% dos brasileiros têm diagnóstico de ansiedade, diz o estudo. E esses números vêm aumentando exponencialmente desde a COVID-19. Um estudo que avaliou relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população brasileira encontrou, entre os 45.161 brasileiros respondentes, que, durante a pandemia, 40,4% se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos, 52,6% frequentemente ansiosos ou nervosos; 43,5% relataram início de problemas de sono, e 48%, problema de sono preexistente agravado. Tristeza, nervosismo frequente e alteração do sono estavam mais presentes entre adultos jovens, mulheres e pessoas com antecedente de depressão. Até hoje, pesquisas indicam que o Brasil é o país que mais consome Rivotril no mundo.
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Os transtornos de ansiedade se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativa por serem excessivos ou persistirem além dos contextos apropriados. Indivíduos com transtornos de ansiedade, de maneira geral, têm percepção elevada de perigo ou ameaça, geralmente associada a baixa capacidade de lidar com essas sensações. Pacientes com diagnóstico de TAG, por exemplo, apresentam preocupação crônica sobre o futuro. O problema é que para a pessoa ansiosa, tudo ao seu redor pode ser considerado ameaça ou perigo, desencadeando assim, descargas de adrenalina e cortisol de forma constante no organismo. E claro, que esse estado de alerta de forma crônica, causa muito sofrimento e prejuízos à saúde em curto, médio e a longo prazo.
Associado a esse cenário epidemiológico de ansiedade em grandes números, houve aumento de 18% no número de usuários de cannabis nos últimos 9 anos. Historicamente, pessoas buscam a maconha pelo entendimento popular de que ela está associada à melhora do humor e ao relaxamento, e, muitas vezes, pessoas chegam ao consultório já em uso ativo da planta, porém com necessidade de ajuste de dose e de redução de danos.
Na minha prática clínica, observo melhora da qualidade de vida dos pacientes, e percebe-se que a planta cannabis funciona como uma chave terapêutica com peculiaridades que extrapolam a bioquímica, adentram a história da humanidade em seus hábitos e costumes além de levantar o debate sobre questões legais e raciais, desenvolvendo ao ser humano o contato com a medicina que há muito faz parte do
cotidiano da nossa espécie. O uso recreativo para algumas pessoas ansiosas, pode ter efeito sedativo, causando melhora dos sintomas, relaxamento físico e dos pensamentos.
Já para outras pessoas, dependendo do estado emocional daquele momento e da forma como é feito o uso da maconha, podem se sentir com pensamentos mais agitados e confusos, terem sintomas físicos como taquicardia e taquipneia, ou seja, sensações capazes de piorar os sintomas ansiosos, e até mesmo podem desencadear uma crise de pânico. Muitos pacientes relatam isso, que ao usar a maconha de forma recreativa (seja fumada ou ingerida) sentem-se com a mente desconfortável, sensação de angústia e sintomas físicos, alguns relatam o desencadear de uma crise de pânico. Por isso, o ideal é que o uso da cannabis para tratamento de sintomas ansiosos seja feito de maneira controlada e assistida de forma próxima por um(a) profissional de saúde.
Desde 1970, diversos estudos pré-clínicos foram realizados em animais para avaliar o efeito ansiolítico de canabinoides. A cannabis parece, na maioria dos casos, ter efetividade semelhante às terapias convencionais para o tratamento de transtornos ansiosos, além de ser uma terapia segura, o que é essencial para esses pacientes. A terapia com canabinoides pode ser usada de forma coadjuvante a outros tratamentos farmacológicos mas também pode ser usada de forma isolada, especialmente em quadros leves de ansiedade. Pode ser usada por pacientes que não se adaptaram a medicações convencionais, ou por aqueles que querem reduzir os efeitos adversos causados por elas.
Na clínica, é visível melhora dos sintomas ansiosos, melhora da tristeza e de distúrbios do sono. Pacientes relatam melhora na aceitação de adversidades e dificuldades do dia a dia, com a sensação de maior plenitude na rotina com uso dos canabinóides. Alguns pacientes também apresentam melhora na modulação do apetite - aqueles que tendiam à hiperfagia (aumento do apetite), se sentem com apetite menor, e aqueles com falta de apetite, tendem a ter um aumento do apetite com o uso da planta.
Para a escolha da composição de canabinoides, é necessário avaliar questões como preferências, possibilidades de acesso, interações medicamentosas e/ou sintomas prevalentes. Por exemplo, se a pessoa apresenta inapetência, náuseas, espasticidade ou dor neuropática, a evidência científica atual aponta para a escolha de uma composição rica em THC, ao passo que problemas como arritmia ou angina, se tornam contraindicações para o uso de THC. Em casos de doença inflamatória, insônia, prevalência de sintomas ansiosos, entre outros, uma composição rica em CBD se torna bem-vinda. Mas, em geral, composições full spectrum se tornam mais eficazes em doses baixas e com melhor perfil de efeitos adversos.
A construção do plano terapêutico deve levar em consideração as necessidades e preferências da pessoa sob cuidado médico, sempre pensando nos potenciais riscos e benefícios das intervenções propostas. Recomenda-se comunicação clara e assertiva acerca das evidências científicas disponíveis para que as pessoas e/ou responsáveis participem das decisões terapêuticas e construam junto com seu médico(a) seus processos de cuidado.
Os casos que apresentam transtornos de ansiedade ou depressivos geralmente são complexos e multifatoriais. Portanto, é necessário acompanhamento psicoterápico, mudanças de estilo de vida e talvez outras terapias paralelamente ao tratamento da cannabis.
Por Giovana E. Ribeiro