@giovanaeribeiro
MINHA ESCRITA PESSOAL
insônia
On 10 Jun, 2024

será insônia ou será que eu mesma quem não me deixo dormir?
Nada da cabeça parar de pensar. Nada do sono vir. Será insônia ou será que eu mesma quem não me deixo dormir? Têm dias que nada aquieta a minha mente. Todo mundo têm dias assim. Acho que foi a ocitocina pela gatinha nova que me deixou agitada, ou talvez a felicidade de estar criando uma família. Que delícia que é ter uma família. Apesar da ressaca e da insônia que me aconteceram hoje, também foi um dia em que eu fui muito feliz. Tudo na vida é meio assim, meio ambíguo. Felicidade demais também me deixa angustiada. Eu quero me lembrar pra sempre dos momentos que eu vivi nessas últimas horas. Lembrar pra sempre de ontem, o aniversário da Gabi, foi uma delícia a gente se divertiu tanto. Eu amei muito e fui muito amada ontem a noite. Que delícia que é ter uma família, dentro e fora de casa. Eu também sempre fico angustiada quando tô de ressaca. E a nicotina também, me dá ressaca. Mas tá tudo bem. Valeu a pena. Eu amei muito e fui muito amada. Sempre vale a pena quando tem amor envolvido. Mas (sempre tem um mas), mas, eu não posso negar que a ressaca sim, a ressaca me deixa confusa, ansiosa, angustiada ou sei lá, agitada. Mas valeu a pena porque eu gosto de tomar negroni em dias especiais. É a minha bebida preferida. Eu me permito tomar quantos negronis eu tiver vontade em dias felizes - mesmo que eu quase sempre me arrependa no dia seguinte. E também a gente gosta, eu e o Ricardo, no caminho de volta pra casa, voltar tomando uma long neck, eu Corona, ele, Spaten. Tomar uma cerveja gelada, andando, olhar São Paulo a noite, conversando. Desde o nosso primeiro encontro foi assim, o voltar para casa é sempre uma das melhores partes. Ele me ouvindo e eu ouvindo ele. A noite tudo fica muito diferente. Me sinto diferente. Conversando sobre a vida e dando outro gole na cerveja. Eu amo São Paulo, é a minha cidade. Às vezes sinto que não consigo dormir porque não me sinto pronta para parar de pensar. É difícil pra mim entrar nesse estado meditativo e tão profundo que é o sono. Às vezes, dormir me causa medo. Permitir a minha mente me levar assim, pro lugar que ela quiser. Sinto medo, já tive muitos pesadelos terríveis. O estranho é que eu não costumo ter insônia. E aí levantei e vim escrever isso aqui. Pra ver se alivia. A minha cabeça. Escrever é anotar os meus pensamentos. Organiza tudo um pouco. Queria escrever que nem Clarice. Não, eu não digo que ela é minha escritora preferida. Quer dizer, ela não é minha preferida todos os dias, só às vezes. É que eu não gosto muito de ter preferência pelas coisas. Me sinto presa. Não quero me prender em uma só identidade. Mas, se fosse pra escolher, eu escolheria a escrita dela, a escrita de Clarice, sem dúvidas. Ela escreve conforme sua mente flui. Uma viagem seguida da outra. Mas eu só escrevo o que penso, logo, escrevo o que sou. Muitas vezes me surpreendo com o que escrevo e me surpreendo ainda mais com quem sou e quem eu nem sabia que era. Quando eu me desmonto, tento escrever pra ver se me remonto. Às vezes funciona, mas não é sempre. Mas tô tentando me remontar agora. - O que você faz quando precisa se remontar? É uma boa pergunta pra se conhecer melhor alguém, né?
Me lembro de algumas insônias quando criança, me lembro de ser uma criança muito preocupada. Eu me lembro dessa vez que deve ter sido a minha primeira insônia. Uma noite em que fui dormir na casa da minha avó Elza, eu dormia no sofá-cama da sala de TV do apartamento dela. O apartamento dela cheirava uma mistura de flores com cigarro. Toda vez que eu passo na frente daquele prédio na Nazaré Paulista, eu ainda lembro desse cheiro. E me lembro dela acenando da janela toda vez que ia embora. Eu amava o cheiro da minha avó. Até cheiro de cigarro, sempre amei. Lembro que ela improvisava, ali, na sala de TV dela, um quartinho bem gostoso e quentinho pra mim. Me cobria com um monte de mantas que ela mesma fazia. Me lembro dessas mantas e da textura delas. Lembro da textura das mãos da minha avó, com a pele bem fininha e delicada, com a cor branca, com as veias salientes e verdes, que eu gostava de passar a ponta dos dedos
levemente, pelo dorso da mão dela, pra sentir a textura dela, a textura da minha avó. Lembranças são assim, sempre borradas. Eu lembro que ela colocou um filme pra gente assistir. Moulin Rouge. Minha avó e meu pai sempre amaram assistir filmes comigo, e eles dois sempre me apresentaram os melhores filmes. Lembro da Nicole Kidman estar linda, lembro da cena em que ela tossia sangue e me lembro depois de muitos anos do momento em que entendi que as pessoas morriam de tuberculose. Viva os antibióticos. Mesmo querendo e tentando muito assistir o filme, ali do lado da minha avó, começaram os pensamentos que não paravam. Eu não conseguia controlar a minha própria voz dentro da minha mente. Eu não conseguia parar de pensar em coisas ruins, em coisas muito ruins, verdadeiras tragédias. Não conseguia parar de pensarem meus pais sendo assaltados dentro do carro enquanto parados no farol. Ou talvez, talvez, meu pai levasse um tiro enquanto eles voltavam do restaurante pra casa. Eu sentia e via essas imagens e pensava como seria dolorosa a minha vida sem eles tudo misturado na minha cabeça de criança. Eu devia ter entre 8 e 10 anos. Enquanto passava Moulin Rouge na TV de tubo da minha avó, um filme de verdadeiro terror passava na minha mente e eu não conseguia parar de assisti-lo. Angústia. Nó na garganta, taquicardia, dor interna. Me lembro de estar ali, deitada no sofá cama da minha avó, e sentindo aquele medo, que eu nem sabia direito, do que, de quem ou porquê. Eu não conseguia prestar atenção no filme que passava na TV. O medo roubava toda a minha atenção. E eu não podia controlá-lo. Eu não conseguia calar a minha própria voz. Não conseguia parar de pensar que algo de ruim aconteceria com os meus pais. Algo muito ruim. Engraçado como a ansiedade nunca deixa a gente pensar que alguma coisa boa possa acontecer. E a gente acaba esquecendo que coisas boas acontecem a todos os dias.
Eu consegui disfarçar. Pra minha avó, digo. E que bom que ela não percebeu. Eu não queria passar minha angústia pra ela. E no fim, essa foi uma das poucas vezes que eu me lembro de ter dormido no apartamento da minha avó. Com cheiro de dela perto de mim. Que saudades, vó. E que bom que essa noite existiu. Que bom que essa insônia existiu. Me fez ficar acordada mais tempo ao lado da minha avó. E agora, depois da minha avó já ter ido embora daqui, eu acho que passei poucos momentos com ela. Poucos dias, poucas horas, poucos minutos. Momentos insuficientes. Anos insuficientes. Queria ter ficado mais anos com ela. A morte tem disso, a gente sempre acha que não tivemos tempo suficiente com aquele que se foi. Mas só o tempo sabe o quanto é tempo o suficiente.
Eu guardei com muito carinho esse filme na minha memória. Moulin Rouge. Bem que a minha avó Thereza me disse uma vez - é que a minha avó Thereza sempre foi muito noturna. Ela disse que, durante as madrugadas ela se perde nos pensamentos dela. Eu ela temos várias coisas parecidas. "Têm vezes na madrugada que eu perco o sono porque me perco nas minhas memórias. Fico lembrando da sua mãe e dos seus tios crianças, lembro do seu avô, lembro do filho que perdi, penso na minha mãe, no meu pai, no meu irmão. De noite, vêm na cabeça pessoas, momentos, histórias, lembranças, boas e ruins. Começo a reviver tudo dentro da minha memória. E aí eu tenho que escrever pra calar meus pensamentos. E muitas vezes, escrever me acorda mais ainda ao invés de me relaxar. E aí, eu perco o sono de vez. Aí eu me levanto pra fumar um cigarro." - disse minha avó Thereza para mim.
Eu invejo o Ricardo em dias assim. Digo, em dias em que estamos de ressaca juntos. Ele cai em um sono tão profundo por horas seguidas. Parece que o corpo dele, reage assim, diferente do meu, ele precisa dormir e eu não consigo dormir. E na segunda-feira, ou no dia seguinte que seja ele acorda ótimo, renovado, feliz, animado, e pronto para começar uma nova semana. Deve ser porque ele ama segundas-feiras. Ele ama segundas-feiras, ele sempre diz isso. Quem ama segundas-feiras? Eu invejo ele porque, me parece tão mais fácil, lidar com esses sintomas da ressaca assim. Mas… Fazer o quê. - "unless I'm not myself I'm nobody.” - penso. E que bom que eu tive essa insônia. Mas assumo, não foi fácil escrever isso tudo. Doeu, mas acho que aliviou. Vou dormir. Espero ter sonhos bons hoje.
Por Giovana E. Ribeiro