@giovanaeribeiro
TEMAS MÉDICOS
Luto: precisamos falar sobre ele
On 08 Mai, 2024
O luto é um tema muito pouco discutido diante da gravidade e importância do assunto. Pouco se fala no meio acadêmico e menos ainda no nosso dia a dia. Para muitos, é considerado um tabu. É difícil para as pessoas falarem sobre coisas difíceis e principalmente sobre a morte. Evitamos o assunto, ele é muito desconfortável. Mas, todos nós, sem excessões, já passamos ou passaremos pela perda de alguém que amamos. Ninguém passa ileso. O luto é inerente à vida de todos os seres humanos.
Para a medicina, o luto pode ser um tema conflitante quando tentamos distinguir qual a diferença entre um luto normal e um luto patológico. Afinal, a partir de qual momento, ou de quanto tempo, ou de quanto sofrimento, o luto se tornaria doença mental? O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), já mudou de opinião algumas vezes sobre o assunto. Em sua terceira edição (DSM III), classificava o luto como um tipo de EDM (Episódio Depressivo Maior), permitindo assim que, dependendo de como a pessoa se comportasse diante da perda, e principalmente, de quanto tempo levavam os seus sintomas (a partir de 6 meses de sintomas), o processo de luto poderia ser considerado como doença, e consequentemente, poderia ser medicado. Já no DSM-5 (manual utilizado atualmente), para o diagnóstico de luto patológico não há mais a seletiva de tempo. A orientação do DSM é basicamente que o luto sem complicações seja diferenciado de um episódio depressivo maior. O DSM atual descreve o luto sem complicações como a ocorrência normal à morte de um ente querido. Como parte desse luto, alguns indivíduos em sofrimento apresentam sintomas característicos de um episódio depressivo maior - por exemplo, sentimentos de tristeza, insônia, redução de apetite, perda de peso e outros. Uma pessoa enlutada pode te o humor depressivo considerado como “normal” durante o luto, embora possa procurar ajuda profissional para alívio dos sintomas associados. A duração e a expressão do luto sem complicações também variam muito entre diferentes grupos culturais.
Na contemporaneidade, somos convencidos a reagir rapidamente à experiência de perda. Somos uma sociedade muito imediatista, em que o tempo cronológico é incompatível ao nosso tempo interno. Nos vemos constantemente sufocados pela cultura da superação. Porém, para a nossa mente, para que possa existir uma verdadeira superação, deve haver antes todo um processo de elaboração do luto, e este é um processo muito único de cada um. A elaboração é um percurso longo, doloroso e individual de cada sujeito. Pode ser até violento estimar um tempo de forma generalizada sem individualizar cada indivíduo e suas especificidades.
Ao experienciar o luto, sentir a tristeza, demonstrar fragilidade e vulnerabilidade, são os caminhos para que uma boa elaboração e a eventual superação aconteçam. Ou seja, acredita-se que a depressão diante da perda deve ser experienciada para que possa haver uma superação. Freud utiliza o termo trabalho do luto como o processo do ego de elaborar que o objeto amado não existe mais no ambiente externo, apenas no interno. Para que a elaboração ocorra de maneira saudável, a tristeza e a depressão deverão sim existir. A superação do luto ocorre quando o processo de depressão se torna menos intenso e consegue continuar a vida após o acontecimento. Entretanto, superar não significa que nunca mais haverá dor. Não significa que em algum momento, lembrar-se do ente amado deixará de ser difícil. A superação é quando você consegue voltar para a sua vida mesmo que a dor e a saudades estejam lá. É como se, no início do processo, a dor tivesse o peso de um piano nas suas costas, dificultando ou até impedindo que você consiga se andar ou movimentar. Com o tempo, esse peso vai diminuindo (mesmo que lentamente), até que, em algum momento, o peso da dor passa a ser mais parecido com o de uma pedrinha que está guardada no seu bolso. Você pode senti-lá quando tocá-la, mas ela não a impede mais de caminhar.

Quando ocorre uma superação, o processo de luto tem o poder de mudar completamente a vida do indivíduo. Um marco em nossa história e também em nossa mente e em nosso corpo. Um estudo realizado em 2022, nomeado o Imensurável da Experiência do Luto Materno, relatou que mães enlutadas após a perda de seus filhos, passaram a pensar mais assiduamente sobre o porquê de suas existências e para que elas existiam, questionando o sentido de suas vidas. O jornalista Iñaki Gabilondo quando entrevistado, contou que a morte de sua mulher, que faleceu bastante jovem de câncer, havia sido muito dura, sim, mas também a coisa mais transcendente que lhe aconteceu. Essas palavras me marcaram muito. Particularmente, tenho certeza o luto foi a pior dor que já senti mas também foi a mais transcendente que eu vivi. A vida foi dividida entre antes e depois da morte do meu pai. E depois do processo do luto, me transformei em uma pessoa completamente diferente. Não sei quem eu seria se não tivesse sofrido tudo o que sofri na época. E eu também nunca diria que esse processo de luto já acabou, não sei se um dia acaba. Eu ainda sinto uma mistura de dor, amor e saudades dele. Acho que esses sentimentos nunca deixarão de ser um tipo de trabalho que eu tenho que fazer. Esse trabalho normalmente acontece na minha terapia ou quando ainda choro ao falar e pensar nele.
Se o luto me mudou? Sei que muito sou capaz de valorizar e de estar muito mais presente em momentos que antes passavam despercebidos. Hoje vejo que os momentos que aparentam ser os mais insignificantes ou rotineiros, são os que realmente importam, e no fim e são esses que farão falta. E enquanto a dor, sou mais capaz de deixá-la entrar. Permito que as lágrimas me escorram do rosto (quase) toda vez que eu sentir vontade (eu claramente sou a chorona do grupo). Se eu precisar chorar todas as vezes em que lembrar dele, eu quero poder chorar. Afinal esses sentimentos e lágrimas são a saudade e o amor que restaram dentro de mim. E eu quero ser livre para sentir tudo o que tenho pra sentir por ele. Esse amor é doloroso mesmo, mas é também o que me fez ver a vida mais bonita.
Se você tem alguém próximo que está passando pelo processo, não o(a) deixe sozinho(a). Dê amor, atenção e muito conforto a essa pessoa, e principalmente, aceite o sofrimento dela. Não tenha medo de falar sobre e não tenha medo de ajuda-lá a lembrar sobre o ente querido que se foi. É muito importante para quem está passando por esse processo que possa falar sobre tudo isso e que se sinta acolhido(a).
Se você é médico ou da área da saúde, atenção ao diagnosticar um paciente como depressão ou episódio depressivo - procure ativamente sobre uma perda recente ou processo de luto mal elaborado, pois na maioria dos casos esses pacientes devem ser encaminhados à psicoterapia antes de iniciar o tratamento medicamentoso.
Caso você esteja em processo de luto, procure ajuda. Procure terapia. A psicoterapia e a análise ajudam na elaboração do processo permitindo que ocorra de maneira muito mais saudável. Permita-se viver o luto. Permita-se sofrer. A saudade é o amor que fica. Não tenha medo de experimentá-la.
Por Giovana E. Ribeiro