@giovanaeribeiro
TEMAS MÉDICOS
TDAH vs. vício em telas
25 Set, 2025
A cada dia que passa, é bizarro como aumenta o número de pessoas chegam ao consultório com a mesma pergunta: "Doutora, será que eu tenho TDAH?". E o pior é que algumas até chegam com a certeza: "Dra eu estava lendo sobre e eu tenho TDAH.” 🤡.
O que a maioria das pessoas não sabe é que o uso excessivo de telas pode causar um vício em dopamina, e os sintomas são quase idênticos aos do TDAH. Uma das tarefas mais desafiadoras para um(a) médico(a) ou profissional da saúde é justamente essa: diferenciar a neurodivergência da dependência ou dos sintomas de abstinência das redes. A semelhança entre as duas condições dificulta muuuuito o diagnóstico diferencial entre elas, e por isso tem sido um tema de pesquisa cada vez mais relevante na área da saúde mental.
Vamos falar um pouquinho sobre os principais sintomas que são praticamente iguais entre o vício em telas e o TDAH:
1. Dificuldade de concentração
Tanto pessoas com TDAH quanto pessoas com dependência digital sentem dificuldade para se concentrar em tarefas que exigem esforço mental por tempo mais prolongado (como estudar, ler um livro ou trabalhar). Isso porque, o cérebro acostumado com a recompensa dopaminérgica instantânea das telas, sente dificuldade em manter o foco por mais tempo em atividades menos estimulantes.
A diferença é que… os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade quando estão relacionados ao TDAH, estão presentes desde a infância, na vida dessa pessoa geralmente antes dos 12 anos. Quando se trata de TDAH, a dificuldade de se concentrar não surge na vida adulta. Quando se trata de uma pessoa neurodivergente, a dificuldade em manter o foco, de seguir instruções, de organizar tarefas está presente desde a escola primária, o que já deve ter causado sofrimento e prejuízos significativos ao longo de toda a vida dela.
Já a dificuldade de concentração quando é relacionada com o vício nas telas, o sintoma tem início gradual, que geralmente aparece ou se intensifica após um período de uso excessivo e contínuo de telas (sejam elas smartphones, videogames ou redes sociais). Nesses casos, a pessoa pode ter tido um histórico de bom desempenho escolar e profissional no passado, e as dificuldades de concentração começam a surgir ao longo da vida, junto com o aumento do tempo de tela.
É como se o uso abusivo de telas reconfigurasse o cérebro, criando nele um vício em liberação rápida e intensa de dopamina… O que é péssimo: essa busca constante por estímulos curtos e intensos faz com que você perca a paciência e a capacidade para tolerar atividades que exigem atenção prolongada, levando à sintomas de dificuldade de concentração, principalmente em atividades e momentos quando não há a uma estimulação digital.
2. Impulsividade
A impulsividade é uma das características centrais do TDAH, mas que também se manifesta no uso de telas. A diferença principal está na origem e no padrão de manifestação da impulsividade. A impulsividade no TDAH é um traço neurobiológico, ou seja, ela é uma característica intrínseca do funcionamento cerebral dessa pessoa. A impulsividade em pessoas que são neurodivergentes, ocorre devido a uma falha que elas apresentam no sistema de inibição do cérebro – a pessoa tem dificuldade em "frear" um pensamento, emoção ou ação antes que ela aconteça, fazendo com que ela seja impulsiva... Mas isso se deve a uma disfunção nessas áreas cerebrais que regulam o autocontrole. Assim, o padrão de impulsividade em pessoas com TDAH manifesta-se de uma forma mais generalizada e persistente, e que acontece em diversas áreas da vida. Os principais exemplos incluem: interromper conversas constantemente, tomar decisões precipitadas (compras, mudanças de emprego), agir sem pensar nas consequências, se colocar em situações de risco e dificuldade em esperar. A impulsividade no TDAH costuma causar prejuízos significativos em relacionamentos, vida profissional e acadêmica desde a infância do(a) paciente.
Já a impulsividade da pessoa que possui um vício em telas é um mecanismo de resposta ao sistema de recompensa do cérebro, que se acostuma (se vicia, na verdade) com a liberação rápida de dopamina que é constantemente oferecida pelas redes. Essa busca por estímulos imediatos de dopamina estimula o famoso ciclo de recompensa de dopamina, o que enfraquece e muito o autocontrole do indivíduo.
A impulsividade relacionada ao vício nas telas costuma ser mais direcionada para o contexto digital ou para comportamentos que imitam essa liberação de dopamina cerebral.... Por exemplo: a necessidade compulsiva de pegar o celular para checar notificações, impulsividade de pular de um vídeo para outro sem terminar nenhum, dificuldade de ficar distante do celular, fazer compras online ou em jogos sem planejamento, responder a mensagens ou interagir em redes sociais de forma reativa e irrefletida…. Basicamente essa impulsividade estará mais diretamente relacionada ao uso da tela em si e, nesses casos, o comportamento impulsivo costuma diminuir ou desaparecer quando o comportamento de uso abusivo é interrompido.
3. Inquietação e dificuldade de ficar parado(a)
A hiperatividade motora no TDAH é bem estabelecida e costuma se manifestar como uma inquietação física que é constante (mexer mãos e pés, se remexer na cadeira, dificuldade em ficar parado(a)), o que é bemmm similar com a inquietação e a ansiedade que acompanham também os sintomas de abstinência digital também. Mas, nos casos de vício, quando o indivíduo é privado ao acesso às telas, ele(a) pode sentir uma maior inquietação com a necessidade de se mover, uma agitação interna e dificuldade em permanecer parado(a).
A inquietação, ou agitação, é um sintoma presente tanto no TDAH quanto na dependência digital, mas a diferença crucial entre as duas, está na sua origem neurológica e na sua manifestação no cotidiano. A pessoa com TDAH tem uma necessidade interna e incontrolável de se mover, o que muitas vezes a faz sentir-se desconfortável ou entediada quando precisa ficar parada. Não é uma escolha consciente, mas uma resposta biológica do transtorno. Além disso, no TDAH essa inquietação está presente desde a infância e afeta a vida em diferentes contextos.
A inquietação ligada ao vício em telas é um sintoma comportamental e de abstinência. Ela não é uma característica intrínseca da pessoa, mas uma consequência do uso excessivo e inadequado de telas. Essa agitação é uma resposta de abstinência, similar ao que acontece com outras dependências como de álcool, cigarro e drogas. O que acontece é o mesmo mecanismo: o cérebro, que no caso está acostumado com a altas doses de dopamina sendo liberada, acaba reagindo com ansiedade e inquietação intensa quando essa fonte de estímulo é removida ou limitada.
Sendo assim, a inquietação relacionada ao vício tende a ser episódica e diretamente relacionada com à falta de acesso ou à diminuição do uso das telas. Nesses casos, a pessoa costuma se sentir extremamente agitada e ansiosa se o celular for tirado dela, se não puder jogar, assistir a vídeos ou fazer a atividade que antes era responsável pelo boom de adrenalina cerebral. Então, podemos concluir que a agitação nesses casos, não é um traço de personalidade, mas sim uma reação à privação de um estímulo viciante.

4. Irritabilidade e oscilação de humor
O uso excessivo de telas pode levar a quadros de irritabilidade, ansiedade e mudanças de humor – só que esses sintomas também estão frequentemente associados ao transtornos como o TDAH… Mas, a principal diferença entre a irritabilidade e as oscilações de humor no TDAH e aqueles causados pelo vício em telas, está na origem e na forma como esses sintomas se manifestam no dia a dia da pessoa.
Nos casos de TDAH, a causa da irritação e do humor instável está principalmente relacionada a disfunção do cérebro neurodivergente tem em regular a dopamina e outras substâncias e neurotransmissores que afetam diretamente o humor e as emoções do indivíduo. Pessoas com TDAH convivem com uma desregulação emocional que gera intensa angústia ou sofrimento sobre situações do cotidiano. Pessoas com TDAH têm dificuldade em regular as emoções como raiva, frustração, angústia e ansiedade, o que geralmente resulta em impulsos reativos do humor, como por exemplo explosões de raiva ou explosões de agressividade, muita irritabilidade e impaciência... As pessoas com esse transtorno inclusive possuem maiores chances de desenvolver transtornos de humor associados, como ansiedade e depressão.
A neurodivergência faz com que as pessoas tenham dificuldade em processar frustrações de forma calma, e as pequenas coisas podem desencadear uma reação desproporcional no cérebro. Nesses casos, essa irritabilidade costuma ser persistente e se manifestar em diversos contextos da vida: as explosões/desregulações podem ocorrer no trabalho, na escola, em casa e em relacionamentos. Os "altos e baixos" no humor são um traço de personalidade constante, causados pela dificuldade em gerenciar emoções quando se trata do TDAH. Assim, concluí-se que no TDAH, a irritabilidade é um problema de autorregulação, ou seja, a pessoa não consegue controlar a intensidade da sua resposta emocional, o que causa um sofrimento intenso na sua vida, sofrimento este que inclusive, está presente desde a infância.
Já a irritabilidade e as oscilações de humor relacionadas ao vício em telas são um sintoma de abstinência, que é resultado de um comportamento compulsivo quando é interrompido. O cérebro se acostuma com a liberação de dopamina intensa proporcionada pelas telas – aí, quando essa fonte de estímulo é retirada ou limitada, o cérebro entra em um estado de estresse e ansiedade, que se manifesta com irritabilidade, mau humor e inquietação importante... Por exemplo, a pessoa pode estar estar se sentindo bem até o momento em que se sente privada de sua fonte de gratificação (passa a ficar irritada quando não pode usar o celular ou o computador, ou quando o sinal da internet está ruim). O humor tende a melhorar significativamente quando ela(e) volta a ter acesso aos estímulos digitais. A irritabilidade por vício em telas é um sintoma situacional, uma reação temporária à falta de um hábito. Ao contrário do TDAH, ela não é uma característica de personalidade e tende a desaparecer quando o hábito é controlado.
5. Perda de interesse
Tanto pessoas com TDAH quanto as com vício em telas podem perder o interesse em hobbies ou atividades que antes eram prazerosas... A principal diferença entre a perda de interesse no TDAH e a perda de interesse relacionada ao vício é que: o cérebro de uma pessoa com TDAH tem dificuldade em produzir e processar a dopamina para tarefas de longo prazo, e, como resultado, as atividades que exigem esforço sustentado se tornam tediosas e a pessoa pula para algo mais estimulante (criando aquele padrão procrastinador e dificuldade de finalizar projetos que é comum no transtorno).
No TDAH, essa perda de interesse é generalizada, ou seja, ela se manifesta em vários aspectos da vida, como em hobbies, nos estudos, nos projetos profissionais e até mesmo em conversas. Pessoas com o transtorno, tendem a começar um hobby ou uma nova atividade com muito entusiasmo só que costumam abandoná-lo rapidamente. É comum as pessoas que possuem essa neurodivergência terem várias atividades iniciadas, porém incompletas ao mesmo tempo. A perda de interesse é um traço da personalidade, resultada da busca constante por novos estímulos para manter o cérebro ativo.
Já a perda de interesse que é relacionada com o vício em telas é um sintoma comportamental e adquirido, ou seja, que é resultado da superestimulação cerebral. Mais uma vez, é como se o uso excessivo de telas "reprogramasse" o nosso cérebro para esperar uma liberação de dopamina rápida e intensa, a todo momento... Isso acontece da seguinte forma: a pessoa fica viciada na dopamina instantânea das redes sociais, jogos e vídeos curtos. Aí, as atividades do mundo real, como ler um livro, praticar esportes ou interagir com outras pessoas, passam a parecer sem graça em comparação com o uso das telas. Daí, nesses casos, a perda de interesse fica diretamente relacionada à prioridade e a preferência dadas às telas do que a outras atividades. As pessoas com vício costumam ter tido hobbies ou interesses antes que eram importantes para ela no passado, mas que são gradualmente substituídos pelo tempo gasto no mundo digital. O desinteresse em atividades offline aumenta cada vez mais, na mesma medida que o tempo de tela aumenta. Quando o uso de telas é reduzido, a capacidade de se interessar por outras atividades tende a voltar ao normal… Em resumo, a perda de interesse no TDAH é um sintoma de um déficit de atenção crônico, enquanto a perda de interesse no vício em telas é uma consequência da superestimulação, que faz com que as atividades do mundo real pareçam monótonas.
Conclusão
É importante destacar que, embora sejam super parecidos, a causa dos sintomas aqui, é diferente. O TDAH é um transtorno neurobiológico, geralmente de origem genética, que afeta as funções cerebrais desde a infância da pessoa. Já a dependência digital, é um comportamento que é adquirido, e que altera o sistema de recompensa do cérebro. A diferenciação entre os dois quadros exige uma avaliação clínica cuidadosa, feita por profissionais de saúde qualificados que analisam o histórico completo do paciente e o padrão de sintomas ao longo do tempo.
Se você tem esses sintomas ou conhece alguém que está em sofrimento, procure ajuda. Tanto para o TDAH quanto o vício em dopamina causado por telas, existem tratamentos adequados que proporcionam alívio dos sintomas e melhora da qualidade de vida e funcionalidade dos pacientes. Não tente se diagnosticar sozinho(a). Procure atendimento médico ou profissional em saúde mental.
Por Giovana E. Ribeiro