@giovanaeribeiro
TEMAS MÉDICOS
Será que o álcool está fodend* a sua saúde mental?
On 24 Fev, 2025
Vamos começar a partir de um dado chocante. De 30 a 40% de todas as tentativas de suicídio existe um fator em comum: a bebida alcoólica. O álcool é uma droga que, quimicamente falando, tem um feito depressor no sistema nervoso central, significando que ele tem um impacto bem negativo na nossa saúde mental. Ingestão regular e episódios de uso pesado de bebida (chamados de binges) interferem e alteram substâncias químicas no cérebro que são vitais para o nosso bem estar mental, tanto durante o uso quanto vários dias após a bebedeira.
E aqui, não vamos falar sobre deTranstorno por Abuso de Álcool (não me refiro ao alcoolismo em si). NÃO, e aliás, tem outro texto aqui no site que fala especificamente sobre esse diagnóstico. Vamos falar sobre todos nós, que ingerimos bebida alcoólica, independente da quantidade e da frequência. A maioria de nós, que costumamos nos definir como etilistas sociais.
Pesquisas demonstram que a maioria das pessoas que sofrem consequências na saúde mental devido ao uso de álcool são pessoas jovens, que costumam ter uma ótima vida social e bons empregos. Precisamos parar de pensar que as pessoas que sofrem consequências pelo uso de bebida tem um certo perfil ou aparência, os quais costumamos associar com: um homem de meia idade, que vai ao bar ou que toma cerveja ou destilado todos os dias a noite.
Tem um termo que os americanos usam que eu gosto bastante que é o “gray area drinking” ou “gray area drinker” (pode ser traduzido por "área cinzenta do uso de bebida”). Eles definem assim, alguém que bebe de um jeito que fica entre o beber socialmente e o alcoolismo. São pessoas que talvez possam beber bastante, mas que não necessariamente demonstram sinais de abuso de álcool. Entretanto são pessoas que têm dificuldade de ficar sem beber por vários dias ou semanas seguidas. Essa área cinzenta é um espectro real e grande em que muitas pessoas podem ser extremamente funcionais vivem dentro dela.
Mesmo que você seja jovem e beba só alguns dias por semana, o álcool pode estar sim fodend* com a sua saúde mental. Sei que não costumo usar palavrões aqui, mas senti que seria necessário para me fazer mais clara - o assunto é sério e temos que falar sobre de maneira mais aberta e horizontal possível. A verdade é que o álcool é a coisa perfeita para descobrir quando você não está se sentindo bem consigo mesmo ou mesma. A bebida é capaz destacar as partes que você gosta em si e diminuir aquelas que você não gosta. Ela permite abaixar o volume da voz interna que diz que você não é bom ou boa o suficiente, que ninguém te ama, que você não tem nada de interessante ou que todos são capazes de enxergar seus defeitos… Ao mesmo tempo que abaixa essas, ela aumenta o volume das vozes mais agradáveis e tranquilas no seu cérebro.
Então vamos as substâncias químicas - o GABA (ácido gama-aminobutírico) é um neurotransmissor inibitório: isso significa que ele diminui a atividade no sistema nervoso, e por isso, vamos o apelidar de como o "anti-ansiedade” do cérebro. Quando os níveis de GABA estão baixos, nos sentimos mais ansiosos e nossa mente pode ficar presa em loopings de preocupações, ruminação e obsessão.
A serotonina, é o neurotransmissor mais importante para o efeito “anti-depressão”, e por isso, com níveis baixos dela, tendemos a nos sentir mais tristes, deprimidos, infelizes, temos dificuldade para dormir e coisas como carboidratos e álcool passam a ser mais prazeirosas.
Já a dopamina é a responsável pelo nosso foco e motivação. Quando a dopamina está baixa no cérebro, pode ser difícil se manter fiel com a sua rotina, com seus objetivos e sonhos.
Pessoas com baixa quantidade de GABA no cérebro, podem dizer que bebem para relaxar. Pessoas com baixas quantidade de serotonina, usarão a bebida para se sentir mais feliz e para conseguir se divertir. Aquelas com pouca quantidade de dopamina, podem dizer que usam a bebida como um jeito para se conectar, interagir e se envolver com outras pessoas. Faz sentido né?
Além disso, o período de 24 horas após o consumo, a famosa ressaca, pode aumentar o risco em até sete vezes de comportamento suicida. Nas horas seguintes do consumo, temos um aumento significativo do risco de termos (mesmo que seja pela primeira vez) pensamentos e ideação suicida. Quando a bebedeira é associada ao uso de cocaína então, cria-se uma nova substância no cérebro chamada de “coke ethylene" e essa é capaz de aumentar o risco de pensamentos e comportamentos suicidas em até 16 vezes após o uso das substâncias. (PS: eu achei esses números ridiculamente altos).
Após o período inicial da sensação de euforia, o álcool faz com que você tenda a se sujeitar a muito mais riscos e situações as quais você não se sujeitaria sem ele. Ele pode diminuir tanto o sistema inibitório a ponto de te levar a tomar atitudes e ter comportamentos que você nunca teria sem uso da bebida, como por exemplo, machucar a si mesma(o) ou até tentar o suicídio.

A bebida muitas vezes causa black outs, os apagões, e isso acontece quando a concentração de álcool no sangue aumenta de forma muito rápida. Basicamente, existem dois tipos de black outs: aquele em que as lembranças são fragmentadas - em que talvez você se lembre com quem falou, mas não se lembra da conversa exata, ou um black out total em que você não se lembra de grandes partes da sua noite. O mais louco não é que você esqueceu aquilo que aconteceu, é que o álcool afeta a parte do seu cérebro que é responsável por criar memórias de longo prazo, então, essencialmente, essas memórias nunca foram criadas e seu cérebro não consegue lembrar de algo que nunca foi registrado. Se você já teve um black out, você sabe o quão assustador é acordar sem saber o que disse, o que fez ou talvez como chegou em casa, e essa sensação pode ter um impacto direto na sua saúde mental e na maneira como você se sente sobre si mesmo(a).
Além disso, nas horas seguintes do uso, o álcool que está em processo de metabolização no seu corpo faz com que ocorra uma desregulação química de neurotransmissores (principalmente de serotonina e da dopamina) que são importantes para regulação do humor. Com isso, podemos ter bastante sintomas de ansiedade e tristeza durante a ressaca, e quando combinados com desidratação, falta de sono ou preocupação com o que você fez ou disse na noite passada, podem desencadear pensamentos de ansiedade intensa e até mesmo pensamentos suicidas.
Por essas e por outras, reduzir a quantidade e a regularidade que você bebe pode trazer melhora para a sua saúde mental. Um bom jeito de diminuir é se programar para ter mais dias sem a ingestão de bebida do que dias com, durante a sua semana. Não estou aqui pregando abstinência - a bebida pode significar momentos de comemoração e felicidade em momentos com amigos e entes queridos. Mas tudo deve ser consumido com atenção e responsabilidade. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
E principalmente, se alguém lhe disser que não está bebendo, por favor, não o (a) chame de chato(a). Por favor, não tente persuadi-lo(a) do contrário e nem mesmo pergunte o porquê. Se alguém lhe disser que está desistindo do álcool, por favor, não diga a esse alguém que ele ou ela não tem um problema. Na maioria das vezes, não temos ideia da história completa... As pessoas podem parar de beber porque estão passando por um processo de FIV, ou um tratamento de quimioterapia, ou talvez por motivos religiosos ou possam estar apoiando um ente querido que está lutando contra o alcoolismo. Todos os motivos são válidos, inclusive se o motivo for simplesmente que a pessoa não quer.
Se você está pensando sobre seu próprio consumo de bebida, não se pergunte se você é um(a) alcoólatra ou se você tem um problema de verdade. Ao invés disso, se pergunte: o álcool está me causando problemas? A sua vida seria melhor se você estivesse diminuindo ou parando com o consumo de bebida? Se a resposta for sim para uma dessas duas perguntas, procure ajuda de profissionais para diminuir seu consumo. Se você não bebe ou se você respondeu não a essas perguntas, com certeza alguém próximo(a) de você pode estar passando por isso. Nesse caso, esteja por perto e ofereça suporte, diálogo aberto e livre de julgamentos.
Por Giovana E. Ribeiro